"Vão-me acusar de privilegiar certas coisas. Mas foi o que vivi com ele durante 22 anos... o mixed media, as polémicas... O neo-realismo já não é comigo", remata a sorrir Isabel Alves. As "coisas" a que se refere são os documentos que guarda em casa: um imenso manancial de informação sobre a vida cultural portuguesa, sobretudo entre as décadas de 60 e 80. E muitas das obras do seu marido, Ernesto de Sousa, falecido há 20 anos. "Coisas" que já serviram de fonte a teses de mestrado e doutoramento, e que agora estão disponíveis online em www.ernestodesousa.com.
Com apresentação amanhã em Lisboa, no Espaço Avenida (18.30) - ocasião em que será também lançado o livro 15 Anos da Bolsa Ernesto de Sousa e anunciado o vencedor deste ano -, o site servirá "para dar ideias e pistas, mas há ainda muito trabalho a fazer sobre o Ernesto. Falta publicar muita coisa", considera Isabel Alves.
Sendo coordenadora da Colecção Berardo desde 2000, conhece bem os meandros da inventariação e catalogação de arquivos. Mas neste caso fez tudo a partir de casa e por conta própria, nos últimos três anos, com a ajuda do webdesigner Marco Reixa.
Na década de 90, os protocolos com a Biblioteca Nacional, Cinemateca/ ANIM e Arquivo Nacional de Fotografia repartiram por estas entidades parte significativa do acervo. No entanto, tratando-se de uma personalidade tão polifacetada como Ernesto, que se auto-definia como "operador estético", muitas mais "coisas" ficaram "à espera de que alguma instituição se interesse", conta a viúva.
Nesse imenso rol estão, por exemplo, livros, catálogos e revistas desde a década de 30, dois mil cartazes, os estudos que Ernesto de Sousa fez sobre Almada Negreiros, cerca de oito mil fotografias e slides e as suas obras de arte mixed media.É parte disso, a par da biografia do autor e da informação relativa à bolsa que em 1992 foi criada em seu nome, que está a ser disponibilizado num site que deverá crescer. Através de imagens e excertos de textos, ganha, assim, forma o Centro de Estudos Mixed Media (CEMES), velho sonho de Isabel Alves.
"Comecei a tratar disso há cerca de dez anos", conta ao DN. "No tempo em que João Soares era presidente da Câmara de Lisboa, houve negociações para se levar tudo para a futura Biblioteca Central, no vale de Santo António, mas não ficou nada escrito. A biblioteca ainda não se fez e, até agora, ainda ninguém se mostrou interessado neste espólio", diz.
"O que me preocupa, porque não tenho condições, é a conservação", admite a viúva. "Com tantos empréstimos, os documentos vão-se perdendo ou estragando. E eu própria já fui roubada, ainda há tempos me assaltaram o carro e levaram 800 slides do [artista e compositor] João Paulo Feliciano", lamenta.Graças ao site e à publicação do livro sobre a bolsa ("que possibilitou a introdução de novos dados"), homenageia-se a vida e obra deste pioneiro português da arte multimédia.
E o plágio na Net? "O Ernesto nunca teve essas preocupações, sempre teve ideias a mais para dar a toda a gente! Espero que isto tenha feedback e que as pessoas o descubram e o leiam", responde Isabel Alves."
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