quarta-feira, fevereiro 13, 2008

A paixão na intimidade

"42 cartas de amor da poetisa dirigidas a António Guimarães farão parte de um livro que será lançado na próxima Festa da Poesia.“António. Não posso demorar-me a escrever-te. Estou acabando de almoçar para ir ter com o meu pai. Não sei ainda coisa alguma. Amanhã, às cinco da tarde, estarei no Terreiro do Paço, na paragem primeira da Rua do Arsenal. Desta vez, vamos ao Dafundo. Tu sempre me fazes fazer coisas tão estranhas. Até logo. Saudades da Bela”.Esta é apenas uma das muitas cartas de amor que Florbela Espanca escreveu a António Guimarães, alferes do 3º Esquadrão da GNR de Alcântara, que viria a ser o seu segundo marido. Ao todo, são 42 as cartas de amor adquiridas pela Câmara Municipal de Matosinhos (CMM) em finais do ano passado. As cartas foram escritas entre 1920 e 1925. Contudo, o espólio inclui ainda fotografias, manuscritos, faxes, recortes de jornais, uma pintura feita pelo seu irmão Apeles, as certidões de nascimento e óbito da poetisa.Florbela Espanca nasceu em Vila Viçosa em 1894. Viveu e suicidou-se em Matosinhos, a 8 de Dezembro de 1930. De resto, está documentada a cerimónia de transladação do corpo de Matosinhos para Vila Viçosa. Florbela Espanca casou três vezes. Depois de Alberto Moutinho e António Guimarães, seguiu-se Mário Lage. As cartas agora divulgadas revelam um romance entre Florbela e António Guimarães, ainda a poetisa estava casada com Alberto Moutinho, o seu primeiro marido. “Ela escrevia sempre a hora a que escrevia. Por estas cartas, sabemos que marcavam encontros em sítios engraçados como no eléctrico, no cinema, numa livraria, viajavam muito para Sintra, para sítios mais românticos. Namoravam às escondidas. Estamos a mergulhar na intimidade das pessoas”, conta o vereador do pelouro da Cultura, Fernando Rocha.“Apesar de serem correspondência, os textos escritos são muito poéticos. Não têm a forma de poema, mas o conteúdo é tão belo que são textos poéticos. As cartas demonstram de que ela não teria a tal relação incestuosa com o irmão. Tem-lhe um grande amor, mas é um amor de irmão”, esclarece Ana Luís, directora da Biblioteca Florbela Espanca. Apesar de ter baptizado a biblioteca municipal de Florbela Espanca, na realidade a autarquia não possuía qualquer espólio da poetisa, como explica Fernando Rocha: “a CMM tinha zero de espólio de Florbela Espanca. Apareceu esta oportunidade de comprarmos este espólio a uma senhora. As pessoas vinham cá e achavam que nós poderíamos ter alguma coisa, como esta era a Biblioteca Florbela Espanca e ela tinha vivido e morrido em Matosinhos. Os nossos técnicos avaliaram a documentação e chegaram à conclusão de que seria uma mais-valia”.O espólio foi comprado à filha de Maria Alexandrina Mesquita, uma biógrafa de Florbela Espanca, por 105 mil euros.Todos os documentos foram depois inventariados, tratados e digitalizados. Estarão disponíveis na Internet brevemente, mas os originais poderão ser consultados mediante uma autorização, dependendo da finalidade. “O manuseamento estraga os documentos. Só mesmo em circunstâncias muito especiais e excepcionais”, salienta Fernando Rocha. Florbela na Festa da PoesiaO espólio adquirido pela CMM será apresentado numa exposição, na Biblioteca Florbela Espanca, na próxima Festa da Poesia, no início de Dezembro.Nessa altura, será lançado um livro sobre todo o espólio, da autoria da brasileira Lúcia Dal Farra, uma das maiores especialistas da obra de Florbela Espanca. O livro será co-editado pela Quasi e pelo Círculo de Leitores.E o restante espólio? “Uma parte do espólio está na Biblioteca Nacional, outra parte está aqui. Estamos neste momento no encalço de mais uma pessoa que sabemos que tem alguns documentos da Florbela”, conta Fernando Rocha."

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